quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Os valores do reino de Deus na MPB



por Moisés França

“Coisas que a gente se esquece de dizer/ frases que o vento vem às vezes me lembrar/ coisas que ficaram muito tempo por dizer/ na canção do vento não se cansam de voar”. Esse verso é de Marcio Borges, na canção “O Trem Azul”, do seu irmão Lô Borges, (ambos, na liderança de Milton, formaram na dácada de 70 o Clube da Esquina, um dos principais movimentos da MPB que alcançou o mundo).

A letra é um tapa no orgulho de quem pensa que criou algo que antes não existia. Dá-nos a idéia de que o que é novidade não passa de uma mera recriação do que já existe, ou, uma revelação do que estava encoberto; ou, outra forma de dizer o que já foi dito.

Percebamos que a própria letra da música revela a intenção dos autores, pois a mesma, embora escrita de forma bela e peculiar, seja um outro jeito de dizer o que o rei Salomão há três mil anos já havia dito, inspirado por Aquele que lhe concedeu sabedoria: “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol”. (Eclesiastes 1: 09).

Poderíamos citar outras canções que contém verdades absolutas cuja fonte é Deus. Cito: “O mar quando quebra na praia é bonito demais”, de Dorival Caymmi; “Quando entrar setembro e a Boa Nova andar nos campos/ quero ver crescer nossa voz no que falta sonhar/…quero ver crescer o perdão onde a gente plantou…”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Ainda Renato Russo, que cantou “Monte Castelo”, uma versão de Coríntios 13, grande sucesso de Legião Urbana é mais uma.

Onde quero chegar?

Creio que o sagrado está presente não somente dentro dos nossos arraiais. Aliás, pelo contrário. Há muito de profano em nossas tribos que chamamos de “meio evangélico”, “meio gospel”, e até “meio católico”. Pensando bem, essa palavra “meio” chega a ganhar duplo sentido. O que é meio deixa de ser inteiro. Deixa de ser integral, completo.

Deus usa quem quer, independente dessas gaiolas que nós chamamos de “lugares sagrados”. Os valores do Reino estão presentes onde menos se esperam. Lá fora as pedras estão clamando e até proclamando com honestidade, integridade e coerência, o que deveríamos fazer tão bem quanto, já que nem sempre conseguimos fazer melhor.

Faço parte de uma instituição que chamamos de religiosa, e não desprezo, tem a sua importância; porém, a cada dia me sinto mais distante da possibilidade de me apegar a ela como sendo algo sagrado em si mesma.

Não sacralizo templos, prédios, instituições, denominações, religiões, dogmas, nem paredes, nem plataformas, nem púlpitos, nem fachadas de igrejas. A beleza divina, além da natureza e a criação em si, sobremodo está em pessoas. O sagrado habita no nosso coração enganoso, mas que sabe se arrepender, se corrigir na graça de Deus. É aí que o que é santo se revela e daí seus frutos se propagam. São sinalizações da justiça do Reino aqui e agora, mesmo que em parte!

Mas o sagrado habita também o coração do artista que tem fome e sede de justiça e expressa isto através de sua arte. Do intelectual ateu, que chega a ser mais profeta que muitos religiosos. Este vai à imprensa apaixonadamente denunciar mazelas em nome da justiça através de seus escritos. Já dizia Chaplin: “Sois homens, não máquinas!” E quando alguém se sensibiliza diante das injustiças sociais e toma alguma atitude, desprovido de egoísmo e vaidades pessoais, isto sinaliza o Reino.

Que nossa música e nossos textos, aqui e acolá, comprometam-se acima de tudo com a gramática da vida, não apenas com a gramática das expressões bem colocadas em nossos versos, embora isso não seja qualquer coisa. Que cantemos com paixão e fé o que não conseguimos conter em nós mesmos de tão grande que é: as virtudes do Reino, que “estão no meio de vós (nós)”.

Esses, que muitas vezes chamamos de ímpios, muito têm a nos ensinar. Não vamos os imitar no seu modo de viver, que não glorifica a Deus (embora alguns sigam Jesus e não saibam); mas temos muito a imitá-los na sua preocupação com o mundo e expressar tudo isso em canção, em poesia, em proclamação que fujam do lugar comum; casando o que pensamos com o que expressamos, com verdade e beleza.

Já se foi o tempo em que a nomenclatura “evangélico” significou algo tão importante para mim. Prefiro voltar ao começo e dizer do privilégio de apenas ser um discípulo do Mestre Jesus de Nazaré e serví-lO por onde eu passar, buscando a cada momento perceber os sinais do Reino que há de vir em sua plenitude!

fonte: Moisés França Blog

Um comentário:

Conexão da Graça disse...

Cara, sensacional o texto! Já tenho colocado essa questão em discussão com alguns manos ha algum tempo.Infelizmente o gueto evangélico se isola em um mundinho aterrorizado pelo medo de crescer.A cultura que se adquire com essa postura é explicada pela física quântica: "NANO CONSCIÊNCIA".Um abraço meu mano, Franklin Rosa