sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A (des)categorização dos estilos musicais

por Nivea Lazaro. Nivea Lazaro é mestre em Ciência da Arte pela UFF com pesquisa nas áreas de Etnomusicologia, Música e Antropologia. É professora de inglês e português. Atualmente, está desenvolvendo projetos culturais e gosta muito de desbravar esse vasto Brasil que Deus criou.

Antes de qualquer coisa, preciso avisar: minhas incursões em Etnomusicologia levam-me a pensar que a música não pode ser dissociada de sua função social. Sim. Há uma música para casamento, uma música para sala de concertos, outra para arenas e palcos. Ou ninguém nunca se perguntou como seria ouvir Beethoven em um intervalo de jogo do Flamengo X Vasco no Maracanã? Ou como seria ouvir forró eletrônico em uma cerimônia de casamento? Ok. Exemplos extremos, mas apontam para nossa relação cultural com a música.

Outro ponto importante: se, através da música se traduzem hábitos, costumes e fazeres de uma dada comunidade, toda música, como colocou o etnomusicólogo John Blacking, é “música folclórica”. Toda música revela em si uma transcrição etnográfica. E mais: cada obra, cada peça é uma síntese do que o seu autor entende por seu espaço e tempo presente (seja esse tempo cronológico ou não), por extensão, uma síntese deste mesmo espaço e tempo.

Em cada movimento musical, a quebra de paradigmas, o conceito de rompimento, de revolução se realiza na medida em que este movimento se aproxima ou se distancia de um fazer cultural. Usar uma guitarra elétrica em um festival de música “country” nos Estados Unidos onde, até então, só se usavam violões é quebrar um paradigma. Queimar guitarras, destruir equipamentos quando ninguém havia feito o mesmo é quebrar paradigmas. Assim como é também compor “loas para o justo” (loas = louvor) e falar do Deus cristão e a relação do homem do campo com este mesmo Deus para um público diverso e não necessariamente cristão é quebrar paradigmas.

Curiosamente, o último exemplo acima não é de nenhum músico/ compositor “gospel”. Tampouco de alguém que toque em rádios (de qualquer segmentação). O exemplo acima vem de um compositor brasileiro, do interior da Bahia, que tanto se distancia do “axé music” quanto um peixe se distancia da... Terra.

Pode-se colocar a questão desta forma: o que legitima um estilo musical (como o conhece seus ouvintes) não está nos fatores intrínsecos à estrutura de uma determinada obra, mas são, antes, contribuições culturais de uma sociedade. Dentro desta perspectiva, compreende-se porque as obras do compositor mencionado anteriormente – também autor de uma antífona chamada “Ecos de uma estrofe de Habacuque” (e tantas outras peças que versam sobre Deus) – são geralmente classificadas como “música regional”, mas não cabem sob o rótulo de “gospel” (“Habacuque”, aliás, é um nome que, em si, não soa muito “gospel” mesmo).

Contudo, somos seres que necessitam da finitude veiculada pela categorização. É a categorização que nos facilita a percepção, o reconhecimento de dadas formas e, portanto, a ampliação dos nossos conhecimentos. Temos a possibilidade de criar e ressignificar categorias. Poderíamos, por exemplo, compreender uma “música regional” como uma música produzida na região sudeste. E por que não o fazemos? Novamente, nos deparamos com o dilema: o que vem primeiro? A categorização ou a reafirmação de tais rótulos?

Penso que a saída possível para tal dilema seja exatamente cumprir o que fomos chamados a cumprir: quebrar paradigmas. Ressignificar categorias, se necessário. Categorizá-las, mas à luz da referência maior que são as Escrituras. Como foi tão bem colocado por Marcos Monteiro (neste mesmo sítio: “A cultura como o lugar de celebração da alteridade: um desafio ético”), teologia e cultura são duas realidades que dialogam entre si e, música, portanto, é também uma expressão de realidade que precisa ser vista sob os auspícios dos valores de Cristo.

*Contribuiram para esta reflexão o artigo de Marcos Monteiro e de Daniel Guanaes neste mesmo site, toda a obra do mestre Elomar Figueira Mello, tema da minha dissertação e, claro, o discurso antológico (e magnífico) de Paulo em Atenas (Atos: 17).

Um comentário:

Lilian Goulart disse...

Este texto é mto bom, e faz a gente despensar num monte de coisa que não tem sentido!